Amiga há mais de 60 anos e produtora de alguns de seus concertos, a presidente da Dell'Arte esteve com o pianista na tarde de domingo e revela que, após acidente, ele sentia forte dores no ombro quanto tentava tocar
Silvio Essinger
Presidente da produtora cultural Dellarte, a empresária Myrian Dauelsberg era amiga de Nelson Freire desde que ele era um prodígio de piano de 11 anos de idade e tinha aulas com uma das amigas da sua mãe. A vida os uniu ao longo dos muitos concertos dele que ela produziu e não os separou mais: Myrian esteve com o pianista até o começo da noite de domingo, ouviu-o tocar a primeira parta de "Barcarola" de Chopin e combinaram um encontro para a segunda-feira - que não aconteceu porque, por volta das 23h, ele teve uma queda que provocou sua morte, por concussão cerebral.
O pianista Nelson Freire, em 2006 Foto: Marco
Antônio Teixeira / Agência O Globo
— Nelson vinha para Petrópolis passar uns dias comigo. Estava muito
deprimido, achava que nunca mais ia tocar piano, não queria fazer mais nada e
de uns tempos pra cá deixou de atender o telefone — conta Myrian, em depoimento
ao GLOBO.
Segundo a empresária, a mão direita de Nelson Freire andava muito
enferrujada para o piano:
— Depois do acidente (uma queda no calçadão da Barra, em outubro de 2019, na qual fraturou o braço direito), ele parou de tocar, mas por insistência de amigos ele até ia ao piano, mas não ficava muito tempo, ele dizia que sentia uma dor horrível no ombro quando tocava. Os médicos diziam que isso era da cabeça dele, porque o corpo permitia que ele fizesse todos os movimentos. O Nelson não se entendia com os médicos e não tomava os remédios, ele era muito teimoso.
Myrian Dauelsberg testemunhou quanao a pianista argentina Matha
Argerich, grande amiga de Nelson Freire, pediu ao pianista Arthur Moreira Lima
para substituí-la na banca do Concurso Chopin, em Varsóvia, para poder ficar
mais perto do amigo. Segundo a produtora, Martha só saiu do lado de Nelson para
tomar a vacina da Covid-19 e assim poder voltar para a França, cerca de quatro
dias atrás, para uma série de concertos.
— Ela estava preocupadíssima com o Nelson, eles tinham uma ligação
muito especial, era um amor que transcende o lado humano. Tanto que quando fui
pegá-la para ir ao aeroporto, ela já estava no carro e aí pediu para voltar um
momentinho. Entrou em casa e tocou para ele um tema de umas variações de
Schubert, que eles costumavam executar juntos. No carro, ela me disse"
"Você sabe o signficado das palavras dessa peça?" Era "eu te
amarei a vida toda".
Em julho de 2018, Nelson Freire fez seu último concerto no
Municipal do Rio, em evento produzido pela Dellarte.
— Estávamos fazendo tudo para que ele voltasse. O Steffen, meu
filho, dizia: "Olha, estamos contando com você, precisamos da sua força
para recuperar o público!" O Nelson ria e não dizia nem que sim, nem que
não. Ele nasceu com essa facilidade demoníaca para tocar piano, eu dizia que
ele ia fazer exercícios de escalas e arpejos até voltar a ser o que era e que
eu ia ficar do lado, que nem professora — recorda-se Myrian Dauelsberg.
https://oglobo.globo.com/cultura/musica/nelson-freire-estava-muito-deprimido-achava-que-nunca-mais-ia-tocar-piano-conta-myrian-dauelsberg-25260527
No hay comentarios:
Publicar un comentario